Grupo alega que incentivos fiscais sem contrapartidas ambientais agrava a poluição do ar e descumpre a Política Estadual de Mudanças Climáticas.
O Governo do Estado de São Paulo finalmente respondeu ao pedido de informações feito pelo Movimento Famílias pelo Clima. Por meio de uma ação, que tramitou na Vara da Fazenda Pública do Foro Central, o grupo pediu que o Governo apresentasse provas de que os projetos financiados pelo Programa IncentivAuto incluem medidas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), de adaptação aos impactos das mudanças climáticas e de implementação de tecnologias menos poluentes, como prevê a política climática do Estado.
Em resposta, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo encaminhou o único projeto submetido ao programa, que ainda se encontra em análise. Apresentado pela General Motors do Brasil (GM), o projeto prevê “investimentos em produção e engenharia” que somam um total de R$ 10 bilhões, com o objetivo de “desenvolver tecnologias inovadoras para aplicação em novos produtos, em seus processos produtivos, bem como na produção de veículos no Estado de São Paulo”.
De acordo com a descrição do programa IncentivAuto, caso o projeto seja aprovado, a General Motors poderá receber o montante solicitado e ter um desconto de 25% sobre o valor total (equivalente a R$ 250 milhões) para o pagamento antecipado. “Esse projeto bilionário apresentado pela GM poderá ser financiado com dinheiro público sem sequer mencionar o tipo de tecnologia a ser usada ou se comprometer com a produção de veículos menos poluentes”, explica o grupo responsável pela ação.
Sobre a ação
Em setembro do ano passado, o Movimento Famílias pelo Clima entrou com uma ação contra o Governo do Estado de São Paulo por descumprimento da Política Estadual de Mudanças Climáticas. O grupo alega que o Programa IncentivAuto, criado no final de 2019, oferece subsídios ao setor automotivo sem contrapartidas para redução das emissões de poluentes e gases do efeito estufa do setor.
O IncentivAuto prevê a concessão de financiamento de no mínimo R$ 1 bilhão para expansão de fábricas de veículos automotivos no Estado, com desconto de 25% para pagamento antecipado quando o empréstimo for superior a R$ 10 bilhões. Para acessar os recursos públicos, as empresas têm como única contrapartida a criação de 400 empregos. Antes de entrar com a ação, o grupo havia solicitado as informações via Lei de Acesso à Informação, mas não obteve resposta.
A indústria automobilística é responsável por parte significativa das emissões de gases e poluentes na atmosfera, tanto na etapa de produção quanto na circulação de veículos nas ruas. O Brasil está atrasado em relação ao resto do mundo na transição para tecnologias e fontes energéticas mais limpas no transporte.
O Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores, Proconve, instituído no âmbito federal, prevê a substituição da frota de ônibus e caminhões à diesel até 2022, com a adoção da tecnologia equivalente ao Euro-6, muito menos poluente. Para se ter uma ideia, na Europa, isso já foi implantado em 2015. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) quer adiar ainda mais esse prazo, usando os impactos da crise econômica como justificativa. Cada ano de atraso leva a 2.500 mortes adicionais em decorrência da poluição do ar, de acordo com levantamento do ICCT Brasil.
“O mundo desenvolvido está indo na direção de uma sociedade de baixo carbono. Enquanto isso, São Paulo, o estado mais rico e tecnologicamente avançado do Brasil, pode estar usando dinheiro público para financiar uma indústria automobilística do passado”, diz Mariana Menezes, do Famílias pelo Clima, mãe de três crianças. “Os formuladores de políticas públicas precisam urgentemente se sintonizar com os desafios e as oportunidades que a crise climática traz para o país, inclusive com oportunidades de geração de emprego e renda. Tecnologias menos poluentes já existem e são usadas por essas mesmas multinacionais na produção de veículos em seus países de origem. Não é justo que o meu filho respire um ar pior só por que vive no Brasil”, completa Daniela Vianna, mãe de um menino e membro do grupo.
“Minha filha de 11 anos tem me questionado por que os adultos não estão fazendo nada para impedir a crise climática, que já está gerando consequências diretas na vida dela. O que eu respondo pra ela?”, questiona Clara Ramos, que representa o movimento na ação judicial e é mãe de duas meninas. “Não posso mais ficar de braços cruzados esperando que as nossas lideranças façam alguma coisa, pois já percebemos que elas não vão fazer, pelo menos não na urgência necessária.”
A fala de Ramos explicita o sentimento que motivou a criação do Movimento Famílias pelo Clima, que integra o movimento global Parents for Future, — um coletivo de pais, mães e familiares que atuam em nome de seus filhos para buscar com urgência a contenção e adaptação às mudanças do clima. Grupos como este, que defendem os direitos humanos das futuras gerações, estão surgindo em todo o mundo.
Poluição mata
Por ano, nove milhões de mortes são atribuídas à poluição do ar em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. A médica patologista Dra. Evangelina Vormittag, diretora do Instituto Saúde e Sustentabilidade, aponta que, mesmo em um cenário de redução da poluição atmosférica de 5% entre 2012 e 2030, haverá no Estado de São Paulo um número de aproximadamente 250 mil óbitos e 1 milhão de internações no SUS por problemas relacionados à poluição, como câncer, acidente cardiovascular e problemas respiratórios em adultos e crianças.
Tratamentos de saúde e as altas taxas de mortalidade decorrentes da poluição atmosférica pela queima de combustíveis fósseis custaram o equivalente a 11% do PIB da China e a quase 1% do PIB do Brasil no ano de 2010, de acordo com o estudo “Better Growth, Better Climate”, publicado em 2014.
Para Pedro Hartung, coordenador do programa Prioridade Absoluta, iniciativa do Instituto Alana, é fundamental que a sociedade e as famílias exijam que o Estado cumpra a garantia dos direitos de crianças e adolescentes em ações como essa, especialmente considerando que a exposição de gestantes e bebês à poluição agrava o risco de mortalidade fetal e infantil, além de outras complicações na saúde como crises respiratórias agudas e pneumonia. “Incentivar a indústria automobilística sem garantir o controle e diminuição de emissões de poluentes desse setor é fechar os olhos para a saúde e morte de nossas crianças pela poluição, em um evidente descumprimento do artigo 227 da Constituição Federal que determina a prioridade absoluta dos direitos de crianças e adolescentes em todas os planos e políticas do Estado e das empresas”, argumenta o advogado.